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A EXTINÇÃO DA EXTENSÃO DO PRAZO DE PATENTES PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.529, de autoria da Procuradoria Geral da República, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei nº 9.279/96, o qual determinava a prorrogação dos prazos das patentes na hipótese de demora na análise do pedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para além dos estabelecidos no caput, com a preservação de tempo mínimo de privilégio ao inventor de dez anos para a patente de invenção e sete anos para o modelo de utilidade.

A suspensão da vigência da norma já havia sido determinada em decisão liminar, restrita aos medicamentos e produtos farmacêuticos, assim como equipamentos ou materiais de uso em saúde, com efeito com efeitos ex nunc.

Entretanto, no julgamento de mérito da ADI, houve modulação de efeitos para as referidas patentes e para as ações pendentes de julgamento que tratam sobre o tema, com efeito ex tunc, ou seja, com a aplicação dos prazos previstos no caput do artigo em comento, enquanto para as patentes com aplicação diversa, os efeitos contar-se-ão da data da publicação da ata do julgamento.

O STF reconheceu-se o estado de coisas inconstitucionais a notável demora do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), o qual necessita de, em média, 10,6 anos para análise de requerimentos de patente, justificado pela complexidade e natureza da atividade administrativa e pela ausência de prioridade da União em investimentos, contratação de servidores qualificados em número adequado para o julgamento dos processos de depósito e utilização de meios informáticos apropriados ao século atual.

A decisão sofreu alvo de severas críticas por parte da doutrina, advogados da propriedade industrial e aos agentes da inovação interessados, argumentos consolidados nos votos de divergência dos Ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, a registrar o argumento dorsal do respeito à separação de poderes,  o respeito ao processo legislativo pelos representantes do povo, a não restar evidenciado qualquer contrariedade à Constituição Federal, destacando-se os reflexos perversos para a atividade inventiva, aos investimentos no país e ao acesso de novas tecnologia globais.

Os argumentos do voto vencedor, de lavra do Ministro Dias Toffoli, a trazer imensa sensibilidade sobre os limites do privilégio temporário aos inventores, principalmente em relação aos produtos farmacêuticos, aos quais a restrição ao mercado e demais agentes econômicos causa prejuízos no melhor tratamento aos enfermos e o aumento considerável dos custos ao Sistema Único de Saúde pela proteção do privilégio de invenção por tempo desproporcional, agravados pela pandemia da Covid-19.

O pano de fundo da ADI foram as patentes farmacêuticas, decorrente de questionamento de inconstitucionalidade da norma inicialmente proposta pela ABIFINA – Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades, encampada pelo Procurador-Geral da República.

Além do backlog, o interesse da indústria farmacêutica em diferir a análise da patente pelo INPI, com o prêmio da extensão do prazo de vigência de suas patentes pelo maior período de tempo possível, a poder-se configurar reconhecido abuso de direito, ao fim, a declaração de inconstitucionalidade pelo STF parece ser salutar ao Direito da Propriedade Intelectual.

A expurgação do dispositivo legal, por via transversa, escancara o ativismo judicial, no preenchimento do vácuo de poder existente e pela nítida inércia e ausência de pensamento estratégico do Poder Executivo em investir e equipar no Instituto Nacional da Propriedade Industrial de forma adequada, como ocorre em todos os países desenvolvidos e àqueles com a pretensão de assim o serem.

As consequências da decisão serão fracas do ponto de vista prático, da mesma forma como ocorre em medidas mais drásticas como a suspensão de patentes imposta pelo Legislativo, por não parecerem ser o melhor meio para alcançar a máxima efetividade dos direitos fundamentais envolvidos.

Os inventos protegidos por patentes decorrem do ato inventivo, tecnologia, engenharia de produção, investimentos, cadeia de fornecedores e tempo, matéria de alta complexidade, amparada em segredo industrial.

Todos esses fatores congregados dependem da previsibilidade do ordenamento jurídico – segurança jurídica, para o desenvolvimento de novas invenções e aplicação pelos atores mais eficientes do mercado.

A mera extinção da extensão do prazo de vigência do privilégio, a tornar os inventos domínio público – ainda mais na área farmacêutica, não trará benefícios a curto ou médio prazo, porquanto o desenvolvimento e atraso tecnológico brasileiro, não compensarão a especialidade necessária e vultuosos investimentos indispensáveis a beneficiar a política de preço e o acesso aos produtos ao cidadão brasileiro.

No caso da ‘quebra’ de patentes das vacinas contra a Covid-19, a distribuição do imunizante para a população poderia ter consagrada pela negociação de transferência de tecnologia, com exíguos prazos de desenvolvimento, tempo tão caro em estado de pandemia, a valorizar-se o inventor monetariamente, a premiar-se o ato inventivo e os custos para pesquisa, desenvolvimento e teste, aliada à disseminação do conhecimento aos nossos estudiosos e a possibilidade de nacionalização da produção.

Máxima vênia, a declaração do estado de coisas inconstitucionais e a salutar determinação ao Poder Executivo determinada pelo Ministro Toffoli em lúcido e irretocável voto, surtiria o mesmo efeito pretendido da declaração de inconstitucionalidade da vigência estendida das patentes, porquanto a impossibilidade técnica da indústria farmacêutica nacional para a rápida implementação tecnológica e a produção desses produtos, bem como a defasagem de conhecimento, acarretaria nas exatas consequências da solução mais dura.

Como resultado, privilegiou-se o discurso contra o privilégio justificado pela ineficiência do Estado em detrimento da segurança jurídica, a transpassar a imagem de país desacertado e desacreditado, cujos reflexos serão experimentados por esta e futuras gerações, ao afastar o incentivo ao investimento, pesquisa e inovação, atacando-se os meios da cura enquanto sufoca o paciente.

Em arremate, diante do declarado estado de coisas inconstitucionais, espera-se que o Instituto Nacional da Propriedade Industrial cumpra seu papel de bem julgar os depósitos de patentes, como o faz tradicionalmente, porém em prazo razoável, amparado por todos os meios legais para impedir o abuso de direito, e suportado com amplos investimentos em sua infraestrutura e servidores, a contribuir para o desenvolvimento nacional, a criar-se verdadeiro ambiente promotor da inovação e tecnologia.

 

Leonardo Pegoraro Pieroni

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