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SUPERENDIVIDAMENTO E A NºLEI 14.181, DE 1º DE JULHO DE 2021.

Importante modificação do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto do Idoso pela Lei nº 14.181, de 1º de julho de 2021, a trazer novas disposições que traduzem o esforço legislativo no combate ao superindividamento e refinam o direito à educação e o dever de informação na tomada de crédito pelo consumidor.

Como escopo da nova lei, é patente que a população brasileira, em geral, possui sérios problemas educacionais, a ocupar historicamente as últimas posições do ranking Pisa[1], a apontar as deficiências estruturais básicas do ensino – público e privado, em matemática, ciência e linguagem (sem mencionar as habilidades de programação em computação).

Sem ostentar caráter paternalista como outrora novos diplomas legais costumavam proteger a vulnerabilidade de alguns espectros sociais, a novel legislação parece tratar o tema de forma adequada, calcada na prevenção ao superindividamento, a melhor esmiuçar os direitos básicos à informação e à educação previstos originalmente no Código de Defesa do Consumidor- CDC.

A doutrina nacional preocupa-se com a matéria há razoável período de tempo, especialmente a professora Claudia Lima Marques, a dedicar em seus livros tópico específico sobre o tema, além de publicações de artigos científicos na defesa do consumidor hipervulnerável, a traduzir o seu conceito[2] juntamente com o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Herman Benjamin e de Bruno Miragem na seguinte passagem:

O superendividamento pode ser definido como impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas as suas dívidas atuais e futuras de consumo (excluídas as dívidas com o Fisco, oriundas de delitos e de alimentos) em um tempo razoável com sua capacidade atual de rendas e patrimônio.

O superendividamento faz parte da realidade de diversos consumidores, desde estudantes universitários, aposentados, desempregados, microempreendedores, a comprometer grande parte de sua renda, quando existente, para o pagamento de parcelas para aquisição de bens de primeira necessidade, alimentação, contas de serviços públicos essenciais, sem qualquer perspectiva de melhora da sua situação financeira, que fica cada vez mais comprometida diante da teia de juros, multas e diversos encargos que afundam suas economias.

Assim, embora a modificação do Código de Defesa do Consumidor tenha o tema pela Política Nacional das Relações de Consumo, no fomento da educação financeira (e também ambiental) dos consumidores, bem como a prevenção ao superendividamento e o reestabelecimento financeiro, há claro foco nos sintomas colaterais da doença do que na sua verdadeira causa.

Justifica-se: em capítulo próprio, o CDC rege de forma adequada os meios informacionais na tomada do crédito, a obrigar-se o fornecimento e entrega do contrato, com a inserção de dados básicos como custo efetivo total discriminado, taxa efetiva mensal de juros e informação completa dos encargos moratórios, afastamento de publicidade de promessas de crédito fácil como amplamente verificada nos centros das cidades brasileiras (“crédito para negativados”, “empréstimo sem consulta”, entre outras vedações legais).

Salutar, ainda, a vinculação do contrato de mútuo, de cartão de crédito e o portador de cheque pós-datado à compra de bem de consumo, a reputarem-se conexos, coligados ou interdependentes, a proteger-se o consumidor em caso de exercício do direito de arrependimento ou vício do produto ou serviço, a trazer mais complexidade nas relações com os fornecedores e terceiros.

Porém, tais medidas, embora dotadas de excelentes intenções, mostram-se infecundas diante do abismo colossal da educação básica brasileira em relação aos demais países desenvolvidos, cuja população é incapaz de resolver problemas matemáticos básicos e interpretação de textos sem dificuldades.

Essa barreira é observada em todos os planos da educação, até mesmo em cursos de nível superior, e em todos os espectros demográficos, a atingir todas as gerações economicamente ativas.

O mecanismo básico de juros, muitas vezes atrelados à correção monetária, com aplicação de variados sistemas de amortização, os contratos de cartão de crédito, os empréstimos consignados, sequer são compreendidos pelos consumidores em geral, a serem alvo fácil e constante de grandes bancos, financeiras e fornecedores.

A estrutura de prevenção ao superendividamento deveria se dar também na Lei de Diretrizes Básicas, a adicionar a educação financeira como disciplina obrigatória na base nacional curricular comum.

Por mais que a grade curricular esteja saturada, a impor na educação pública a contratação de mais professores e expansão do horário regular do ensino, o investimento público e privado acarretaria na melhor percepção e aplicação das demais disciplinas básicas ao cotidiano dos alunos, a auxiliar o combater à desigualdade social e propiciar um futuro melhor para as próximas gerações.

Perdeu-se, mais uma vez, a oportunidade de saltar a qualidade educacional transformadora de um país pobre e desigual para uma reforma estruturante em educação financeira, ao qual, se bem aplicada, resguardaria, em melhor entendimento da economia domiciliar com enorme reflexos no controle das fianças públicas pela compreensão das dinâmicas básicas pelos brasileiros desde as mais baixas classes sociais.

Leonardo Pegoraro Pieroni

[1] https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/12/brasil-e-57o-do-mundo-em-ranking-de-educacao-veja-evolucao-no-pisa-desde-2000.shtml

[2] MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIM, Antonio Herman; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3.ed. São Paulo: RT, 2010. p. 1.051.

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