A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) negou provimento ao recurso interposto pela J&F
Participações, dona da marca de produtos para cabelo Neutrox, para que a Dragão
Química Ltda. deixasse de utilizar produtos e materiais publicitários com a
marca Tratex, em virtude de alegada concorrência desleal. Para o colegiado, não
ficou comprovado no processo que a coexistência das duas marcas, que já dura
mais de 40 anos, seja capaz de causar confusão no consumidor ou prejuízos à
fabricante do Neutrox.
A J&F acusou a Dragão Química de violar seus
direitos de marca, pois, segundo ela, o conjunto visual da marca Tratex
imitaria o dos produtos Neutrox (embalagem cilíndrica com corpo ou conteúdo
amarelo e tampa e dizeres em vermelho). O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
(TJRJ) entendeu não haver concorrência desleal e lembrou que desde os anos 1970
as marcas utilizam o conjunto-imagem contestado.
Ao STJ, a J&F alegou que a decisão do TJRJ se
pautou em critérios errôneos na análise do trade dress (conjunto-imagem)
dos produtos, violando a Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996), e
sustentou que o fato de outras marcas possuírem conjunto-imagem semelhante ao
do Neutrox no passado não significa um aval eterno para violações.
Proteção jurídica do conjunto-imagem deve preservar
o exercício da livre concorrência
Relator do processo, o ministro Moura Ribeiro
lembrou que a proteção jurídica conferida ao trade dress tem
como intenção combater a utilização indevida de elementos e caracteres que,
ligados a determinada marca, personalizam e distinguem seus produtos e
serviços. O magistrado destacou que, por vezes, esses elementos não integram o
registro da marca, mas possuem alto poder de influência na escolha dos
consumidores.
Por outro lado, ponderou que essa proteção deve ser
concomitante ao exercício da livre concorrência, e que a mera semelhança de
cores, embalagens, sinais ou afinidade das atividades não basta para
caracterizar infringência de marca.
Para que se justifique a intervenção do Estado,
segundo Moura Ribeiro, “é necessário que o ato apontado como desleal seja
de tal relevância que a coexistência das marcas, em decorrência da identidade
de trade dress, cause confusão no consumidor ou prejuízo ao titular
da marca anterior”.
Possibilidade de confusão entre marcas deve ser
analisada caso a caso
O relator salientou ainda que a possibilidade de
associação indevida e de confusão entre marcas deve ser analisada diante de
cada caso concreto, a partir de parâmetros que a doutrina definiu para
viabilizar a interpretação da norma legal, a exemplo do chamado Teste 360°.
“A doutrina criou parâmetros para a aplicação
do artigo 124, XIX, da Lei 9.279/1996 ao caso
concreto, listando critérios para a avaliação da possibilidade de confusão de
marcas: a) grau de distintividade intrínseca; b) grau de semelhança entre elas;
c) legitimidade e fama do suposto infrator; d) tempo de convivência
no mercado; e) espécie dos produtos em cotejo; f) especialização do
público-alvo; e g) diluição”.
O ministro explicou que, de acordo com os criadores
desse teste – aplicado ao caso em julgamento pelo TJRJ –, nenhum desses
elementos deve se sobrepor aos demais, sendo certo que o resultado da avaliação
de um critério isoladamente não confirma nem elimina a colidência das marcas
sob exame. Para ele, alterar a conclusão a que chegou o TJRJ implicaria a
reanálise de fatos e provas, procedimento vedado no recurso especial pela Súmula 7.
Falta de ineditismo e caráter distintivo do
conjunto-imagem
Outro ponto destacado no acórdão do
tribunal de origem pelo ministro é o fato de que a roupagem do Neutrox não
apresentava ineditismo nem caráter distintivo da marca na época da criação da
Tratex, pois diversas marcas de condicionador de cabelo usavam – e ainda usam
–embalagem cilíndrica com corpo ou conteúdo amarelo, carregando nome, sinais e
tampa na cor vermelha.
“Tanto Neutrox como Tratex adotaram em suas
roupagens as tendências de mercado ditadas pela empresa líder da época,
mantendo tais características em seus produtos desde os anos 1970, sem litígio,
desvio de clientela ou confusão por parte do público consumidor – até porque
tais marcas não se destinavam ao mesmo público, pois Neutrox se estabeleceu no
Rio de Janeiro e Tratex, em São Paulo”, avaliou Moura Ribeiro.
Além disso, o relator concluiu que o caso se amolda
perfeitamente ao instituto da supressio, pois o fato de a dona do Neutrox
não ter se queixado durante todos esses anos pelo uso do conjunto-imagem que
julga lhe pertencer acabou por extinguir seu eventual direito de apropriação.
Fonte: REsp 1.726.804.